Zine
Todo sentimento
Durante a juventude, ele precisava de um descanso do mundo. Um menino gay na metade dos anos 2000 demandava um escapismo, afinal, havia sido ensinado a reprimir os seus gostos. Matheus Ribeiro trabalha há oito anos com ilustração e é o nosso entrevistado do POSCA zine de hoje.
Por muito tempo, a arte de Matheus esteve nesse espaço de fuga: seus trabalhos giravam em torno de paisagens bucólicas, fantasias e romances de época: “Minhas criações representavam o espaço seguro onde todas essas aspirações tinham liberdade para existir e crescer”.
Em 2020, após passar por um processo de luto, ele sentiu a necessidade de expor mais questões que ainda o atravessavam, como a relação tardia com a sua sexualidade e com o seu corpo. Foi a partir daí que Matheus entendeu que traduzir o seu universo interior em pinturas era o melhor caminho para a liberdade.
Quais são as suas inspirações?
Quanto à estética, minhas principais inspirações são as ilustrações de cartazes e livros do final do século XIX. Amo as linhas fluidas do estilo Art Nouveau e gosto de evidenciá-las quando as incorporo ao meu estilo, sempre com o objetivo de representar movimento e leveza.
Entretanto, outras coisas inspiram meu processo de criação, como plantas e pássaros, e ilustrações de tarô. Sempre represento estes elementos em absolutamente tudo que crio, especialmente flores e estrelas.
Em relação ao seu trabalho enquanto artista, qual é o seu maior sonho?
Atualmente, tenho utilizado minha arte para dar voz a questões que, por muitos anos, foram tabus para mim, como afeto, sexualidade e autoestima. Fico entusiasmado com a possibilidade de identificação que estes assuntos geram às outras pessoas e, de certo modo, poder elaborar diálogos coletivamente é uma realização pessoal. Sonho com as oportunidades de expandir isso e em levar meu trabalho a cada vez mais pessoas e lugares.
No entanto, um dos meus sonhos mais antigos é ilustrar para o mercado editorial, especialmente livros infanto-juvenis. Quando criança, os livros ilustrados costumavam me transportar para lugares incríveis e, através deles, tive meu primeiro contato com a arte e me apaixonei. Foi nessa época que também me dei conta de que não haviam representações de pessoas como eu nas ilustrações que eu tanto gostava.
Com o meu trabalho, espero não apenas ser capaz de inspirar e incentivar novos artistas, mas também mostrar, aos mais jovens, que todas as pessoas podem e devem se sentir representadas, e que não existe uma única forma de existir e se expressar.
Existe alguma mensagem principal que você queira passar com a sua arte? Qual é ela?
Gosto da ideia de construir coisas coletivamente e penso o meu trabalho como uma pequena contribuição para um todo muito maior. Quero que a arte, em um futuro próximo, possa dizer às pessoas que há beleza na singularidade e que todos os corpos, todas as vivências, merecem experienciar afeto, liberdade e, principalmente, dignidade.
Sinto orgulho em poder dizer que minha arte cresceu no momento em que me compreendi e me aceitei, mas o que espero, sinceramente, é que ninguém precise de coragem para ser quem realmente é. Que todos possam ser pelo desejo e pela simples possibilidade de ser.
E se a arte do nosso tempo é um reflexo da sociedade em que vivemos, quero que a minha própria possa ser um espelho do ideal que estamos construindo.
Para conhecer mais sobre o trabalho do Matheus, corre no insta dele: instagram.com/saturnais/