Zine
Cidadã do Mundo
Antes de trabalhar com arte, Mari já tinha alma de artista. Mas foi com coragem e com o empurrãozinho de amigos que decidiu voltar a seguir os seus sonhos.
Nascida em Belo Horizonte, Mari se considera moradora do mundo. Hoje, ela espalha a sua arte por diversos estados do nosso país, entre livros infantis e paredes decoradas.
Confira o nosso bate-papo com a artista!
Quando e como começou a sua história com a arte?
Minha história com a arte começou muito novinha. […] Quando me formei, tentei a faculdade de Belas Artes, não passei no teste de aptidão e acabei me formando em Publicidade e Propaganda. Depois que me formei, tentei vestibular novamente para Belas Artes e fui aprovada. Mas, no 3° período do curso, um professor disse que eu nunca seria artista e eu acreditei. Então, larguei a faculdade e fiquei seis anos sem desenhar. Somente quando passei em um concurso público da Prefeitura da minha cidade e comecei a trabalhar na minha área de formação, fui ilustrar algumas peças gráficas que criei.
Uma colega de trabalho sugeriu que eu ilustrasse livros, mas na época eu estava apertada com o mestrado em Letras e não dei muita bola. Uma amiga do meu pai montou uma editora e me chamou para uma conversa, para conhecer meu trabalho, e coincidentemente me passou um livro para ilustrar que era dessa minha colega da Prefeitura, mas sem que tivéssemos combinado. Lembro dela dizendo: “Palavra tem poder, eu disse que você ilustraria um livro meu”. […] Depois disso, fui fazer uma pós em São Paulo, na Casa Tombada, chamada “Livro para Infância”, para me especializar nessa área. Hoje, já tenho 53 livros publicados como ilustradora.
As paredes começaram por acaso. Meu irmão tinha se mudado para São Paulo e não ia decorar o quartinho do bebê. Como eu já desenhava no papel, perguntei para minha cunhada se poderia criar algo na parede dele. Eu não tinha conhecimento técnico algum e pintei com canetinha hidrocor. Mesmo assim, postei no Instagram e uma diretora de um instituto viu, gostou e me pediu para fazer duas paredes no seu espaço. Então, fui buscar mais conhecimentos para aprimorar o meu trabalho. Hoje, 5 anos depois, já são quase 200 paredes espalhadas por Belo Horizonte, São Paulo, Rio de Janeiro — inclusive uma no aeroporto Santos Dumont, que fiz em parceria com meu amigo Gabriel. Além de ter realizado alguns workshops para formação de outros artistas, também tenho um curso online chamado “Artista de Impacto”, no qual ensino tudo do zero para quem quer se tornar muralista.
Além do amor pela arte, você também é apaixonada pela escrita e poesia. Como você acha que essas artes se conectam em sua vida e no seu trabalho?
Eu sempre amei ler. Quando era criança, minha ficha de livros emprestados na biblioteca era gigante. Livros sempre me inspiram, me ajudam a fantasiar, a me entender, a entender o outro, a sair da bolha. E depois que fiz um mestrado em Letras e uma pós em Livro para Infância, dou ainda mais valor à literatura, e acredito que é pela educação que se muda o mundo. Assim como eu ainda carrego a memória dos livros que amava na infância, tenho o maior cuidado e carinho ao criar ilustrações para os livros, porque sei que eles também podem inspirar muitos leitores. Com as paredes é a mesma coisa, como se cada cliente fosse um autor prestes a me contar a sua história. Eu fico atenta para entender todos os sinais e pensar que, mais que um trabalho, não é só sobre mim, mas sobre trazer o melhor do outro em forma de cor.
Vendo sua história, notamos que você precisou ultrapassar muitas opiniões e barreiras para seguir o seu sonho. Como elas te afetaram e como você superou elas?
Quando o professor de artes disse que eu nunca seria artista, eu acreditei porque não confiava em mim ou no meu talento. Depois a gente vai amadurecendo. E o sonho de ser artista era muito latente. Então, quando decidi largar um concurso público para viver de arte, muita gente criticou, “largar o certo pelo duvidoso”, “vai morrer de fome”, “você é doida”. Nesse momento, eu estava muito segura do que queria e que nada iria atrapalhar o meu sonho. Larguei tudo sem nem olhar para trás, fui um pouco doida mesmo, porque nem tinha reserva financeira. Mas acho que exatamente por não ter plano B, eu tinha que fazer dar certo. E já vivo unicamente da minha arte faz seis anos, com os cursos, aulas, formações, pinturas em parede e telas, livros e ilustrações avulsas.
No que você trabalhava antes de voltar para a arte? E como foi esse retorno?
Como contei, era concursada da Prefeitura de BH, trabalhei na Ouvidoria por três anos, atendendo telefone e escutando reclamação das pessoas todos os dias. Depois fui para o Núcleo de Artes na Comunicação Social e passei a criar peças gráficas, só então voltei a desenhar. É como se nesses seis anos que fiquei sem desenhar eu estivesse adormecida. E bastou retomar para ver que tudo estava o tempo todo lá: a arte, o talento, a vontade de criar. E quando eu falei “sim” para mim e para a minha arte, tudo começou a fluir e muitas portas e oportunidades se abriram. Para quem é de fora, pode parecer loucura largar um concurso público. Mas, a loucura maior é não seguir aquilo que você nasceu para ser. E como me disse um grande amigo, “a gente não escolhe ser artista, a gente simplesmente é”.
Você é a autora e ilustradora do livro “A Menina Que Não Se Encaixava”. O que essa história significa para você?
Este livro conta a história de uma menina que fazia de tudo para se encaixar, mas ela tentou tanto pertencer a um lugar que não era dela, que acabou perdendo a cor e desaparecendo. A história é praticamente uma autobiografia, mas quando virou livro, passou a não ser mais a história da Mariana, mas de todo mundo que tenta muito se encaixar em um lugar que não lhe cabe e acaba perdendo a sua identidade. Hoje, com a internet, isso é tão atual e as pessoas embarcam em trends que às vezes não têm nada a ver com elas só pelos likes e seguidores, o tempo todo em busca da aprovação do outro. Esse é um livro sobre desconfortos materializados em caixas e suas cores habituais, mas também é um livro sobre transformação. Essas construções metafóricas postas em jogo na elaboração desta obra são um convite para que crianças e jovens desvendem suas próprias relações consigo e com os grupos sociais dos quais participam. E passem a se entender, a se aceitar e a se encaixar no mundo da sua forma. A partir do momento em que a personagem para de tentar ser como os outros e olha para si e se enxerga, ela literalmente se colore, e assim, colore o mundo à sua volta.
Que dica você dá para quem está iniciando agora no mundo artístico?
Estudar. Muito! Não só teoria, mas também desenhar e pintar utilizando diferentes técnicas e materiais. Se permitir. Não tem como ser bom e aprimorar seus traços sem praticar. Lembrar que a prática não leva à perfeição como diz o ditado, porque perfeição não existe. Como eu sempre falo para os meus alunos de artes, na arte não existe certo ou errado, bonito ou feio. Existe expressão, entrega e muita, muita dedicação. A outra dica é vivenciar e experienciar o máximo que puder de comidas, lugares, pessoas, explorar o mundo. Porque a gente sai da bolha e se conecta com coisas incríveis para se inspirar. Buscar autoconhecimento. Se você não está bem com você mesmo, pode acabar encontrando alguém que vai duvidar de você, do seu talento, como fez meu professor. Então, se você está seguro do que é, nada vai te tirar do seu caminho. Levar a sério a profissão de artista, não sucatear o trabalho, encarar as dificuldades como em qualquer outra profissão. Mas sempre se lembrar que, por mais desafiador que possa parecer, é muito mais gratificante fazer o que se gosta. Então, não desista! Como diz meu amigo, quando a gente escolhe com o coração, é sempre a escolha certa.
Quais são os seus planos para a sua arte?
Eu quero voltar a investir em telas, expor em galerias. Agora, com um filho pequeno, quero passar mais tempo com ele e as telas me permitem produzir de casa. E quero lançar outros livros meus como autora e ilustradora. Ainda sonho com um prêmio Jabuti no meu currículo. E retomar os cursos e mentoria, para auxiliar outros artistas nesse caminho lindo da arte.
Você pode conferir mais sobre o trabalho da Mari nas suas redes sociais: @mari_naparede.