Zine

16 de janeiro, 2025 ARTISTA EM DESTAQUE

Coragem pra criar sua história

 

Foto: Victória Rodrigues

Uma enxurrada de inspirações, cores e experiências moldam e dão movimento à arte da Nicolle Vitória, grafiteira de São Paulo, mais conhecida como “Nivi”. A conversa desta semana, que rolou com a artista, foi como um lembrete de que a arte inspira, conecta e, sobretudo, transforma.

Bora conferir nosso bate-papo com ela?

 

De onde você é e fala?
Sou de Itapevi, Zona Oeste de São Paulo, e moro em um bairro chamado Ambuitá, o berço da minha família materna. Minha avó vive aqui há muito tempo, e minha mãe nasceu em uma casa de bambu e barro neste mesmo bairro. Ambuitá é um lugar calmo e rural dentro de uma cidade agitada, daqueles onde é difícil não haver silêncio em uma sexta-feira à noite e onde cada janela oferece ao morador uma vista arborizada. É o meu lugar no mundo, onde aprendi a amar o silêncio e a tranquilidade, que contrastam com a agitação de um dia de trabalho.  

 

Por que “Nivi”?
“Nivi” é a junção das primeiras sílabas de Nicolle e Victória. Na minha família, eu já era chamada pela abreviação, mas quem realmente oficializou o apelido foi uma amiga artista, a Tovani, também de Itapevi. Ela é apaixonada por pintar letras e, enquanto brincava com meu nome, escreveu “Nivi”. Desde então, ele pegou e se tornou parte de quem sou.  

 

Como foi o seu primeiro contato com o graffiti? Você se lembra da sensação?
Meu primeiro contato com o graffiti foi por meio do Projeto Grafitar, criado pela artista Tuka, que oferece oficinas de introdução ao graffiti para mulheres. Foi uma experiência potente e poética começar com um projeto que acredito e valorizo, especialmente pelo impacto social que ele gera. Eu já pintava em outros espaços, mas estar na rua ao lado de outras mulheres artistas, cada uma trazendo sua própria história para o muro, me proporcionou um forte senso de pertencimento e acolhimento. Foi nesse espírito que fiz meu primeiro graffiti na rua: uma patinadora, em homenagem à minha paixão por patinar.
  

 

Como a rua te inspira na criação das suas personagens?
Antes de grafitar, eu já patinava pelas ruas do meu bairro desde a infância. Naquela época, desenhava personagens com patins nas folhas do caderno. Isso sempre me trouxe uma sensação de liberdade e felicidade por enfrentar desafios e superá-los, algo que se conecta diretamente com o graffiti.

A verdade é que, na rua, embora esteja sempre atenta e preparada, encontro um espaço para ser eu mesma, expressar minha essência e transformar minhas experiências em arte. Sendo mulher e vinda do universo da publicidade em São Paulo, onde adotar uma postura séria e firme sempre foi uma forma de sobrevivência, criar e pintar na rua se tornou um dos raros momentos em que me permito tirar essa armadura. É nessa liberdade que me delicio ao transmitir alegria, leveza e doçura por meio das minhas personagens.

 

 

Como você escolhe as cores do seu graffiti? Elas têm algum significado específico?

Baseando-me nas cores que não uso no meu vestuário ou que raramente escolheria para acessórios ou objetos, fiz uma seleção específica para os meus graffitis, especialmente de tons de rosa e lilás. Essas cores, que não fazem parte da minha vida cotidiana, são usadas para retratar a personalidade que desejo dar às minhas personagens.

Minha maior inspiração para essa escolha é minha irmã. Diferente de mim, todo o vestuário ou acessório dela precisa ter a cor rosa.

São as cores que faltam, aquelas que a arte — e a minha irmã — ajudam a preencher a minha vida.

 

A rua é seu principal ateliê. Como você enxerga a conexão entre arte e espaço público?
A arte sempre foi uma poderosa forma de contar histórias ou relatar problemas, e o espaço público é o lugar ideal para que ela seja vista e, principalmente, alcançada pela comunidade. É uma oportunidade de servir à sociedade, tornando a arte acessível e presente no cotidiano. Mais do que isso, a arte nesses espaços pode contribuir para o entendimento e a apropriação daquilo que é ou deveria ser público. É por isso que arte e espaço público se encaixam tão bem.

Quanto à importância do acesso à arte, toda arte é cultura e, como diria Gilberto Gil: “Cultura é ordinária! Cultura é igual feijão com arroz, é necessidade básica. Tem que estar na mesa, tem que estar na cesta básica de todo mundo”.

 

Existe algum lugar ou cidade onde você sonha pintar?  

Antes de responder a essa pergunta, quero compartilhar que sempre sonhei em pintar na West Side Gallery, uma das maiores galerias urbanas do Brasil, localizada em Itapevi. Este ano, tive a alegria de realizar esse sonho! Agora, meu próximo objetivo é pintar em Lima, no Peru. Fico encantada com as cores vibrantes presentes na cultura e arte peruana. E, na minha lista de sonhos, continuo a escrever que quero pintar em mais comunidades e lugares que ainda não conheço, chegando aos corações das crianças por meio da arte.

 

Qual o maior desafio que você já enfrentou no seu trabalho?
Entre quedas de escadas, tentativas de apagamentos, tintas caras e até furto na rua, o maior desafio que já enfrentei em meu trabalho é a necessidade de provar a importância do que faço em espaços negligenciados ou não pelas políticas públicas, mas acolhidos pela comunidade. Meu maior desafio foi – e continua sendo – não permitir que minha vontade de ocupar esses lugares seja diminuída pelo medo de intimidações, especialmente por ser mulher.

 

 

Se você pudesse ensinar algo sobre o graffiti para a próxima geração, o que seria?
Além de organizar tintas, lavar pincéis e limpar caps, eu ensinaria que o cuidado com a arte começa pelo cuidado consigo mesmo. Alimentar o corpo, a mente e a alma é essencial, porque transformar espaços e conectar pessoas pelo graffiti também é um ato de se transformar. No entanto, nenhuma arte substitui o valor de uma boa alimentação, um sono reparador e o momento de terapia. Para cuidar do mundo, é preciso primeiro cuidar de si.

 

Como você gostaria que sua arte fosse lembrada no futuro?
Eu gostaria que minha arte fosse lembrada como a doçura, leveza e alegria de uma menina que anda pela rua e se vê refletida no muro, despertando coragem para criar sua própria história.

Para continuar acompanhando o trabalho dela, é só colar no Instagram: instagram.com/aka.nivi/.