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12 de setembro, 2024 ARTISTA EM DESTAQUE

Para abraçar o invisível e dar voz as coisas

Tudo começa no sonho. É lá onde o fazer e o criar se encontram. E assim foi para Alexia Lara, a artista entrevistada de hoje, autora de um trabalho que reflete questões intrínsecas a ela e que atravessam mulheres negras, de maneira geral. Para abraçar o invisível e falar sobre coisas não ditas, ela pinta. Quer saber mais? Cola com a gente!

Como você se tornou artista?

Me tornar artista foi um processo natural, quase inevitável. Desde pequena, sentia uma necessidade de criar e me expressar. Gostava de animações, e pintar surgiu para mim como uma forma de me comunicar com o mundo, já que demorei a aprender a expressar o que sentia com palavras e nunca fui muito boa com o verbal. A única questão era como transformar aquilo que eu amava fazer em algo rentável e profissional.

Comecei a experimentar diferentes formas de arte, utilizando principalmente materiais escolares ou aqueles que eu ganhava, e fui percebendo que essa era a minha maneira de compreender o mundo e a mim mesma. Ao longo dos anos, fui aprimorando minhas habilidades e explorando novos materiais, superfícies e técnicas, até chegar na tinta acrílica e nas aplicações com jumbos e aviamentos que uso atualmente. Sempre fui motivada por essa necessidade interna de criar. Para mim, ser artista não foi uma escolha, foi mais uma vocação que me acompanhou e se desenvolveu à medida que eu crescia como pessoa.

Por que “Arte Clichê”?

“Arte Clichê” surgiu de uma ironia. “Clichê” se refere a algo que pode ser visto como repetitivo ou previsível, mas para mim foi uma oportunidade de explorar e subverter essas expectativas. É irônico também pensar que uma ideia nascida na adolescência, inspirada em uma página do Facebook chamada “Desenhos Óbvios por Pessoas Clichês“, que era só um nome de rede social, acabaria se tornando algo mais formal. Eu adorava essa página porque, apesar do nome, os poetas e desenhistas que contribuíam com suas obras ofereciam uma visão criativa, lúdica e visceral, cheia de originalidade. Queria me distanciar da abordagem comum dos ilustradores da época (nome + ilustra), por isso escolhi o nome “Arte Clichê” como uma forma de brincar com essas convenções, como essa página que me inspirava. Hoje, acabo me apresentando apenas como Alexia Lara.

 

 

Como é o seu processo criativo?

Meu processo criativo é muito intuitivo, conectado às minhas emoções e experiências. Gosto de explorar temas que me tocam profundamente e que, de certa forma, tocam outras mulheres, como afeto, autoafeto, acalanto e até outras emoções que nos atravessam no decorrer da vida. Gosto do que considero “inenarrável”, então recorro à arte para traduzir essas emoções. E isso geralmente começa com um sonho, ideia ou uma sensação sobre algo que ouvi e que preciso expressar. Eu me permito mergulhar nessas sensações e inspirações, experimentando diferentes materiais e técnicas até encontrar a melhor forma de traduzir o que sinto. Cada obra é uma jornada interior, um esforço para capturar a complexidade dos sentimentos humanos de uma maneira que as palavras não conseguem.

Qual foi o momento mais marcante que a arte te proporcionou?

Acho que o momento mais marcante que a arte poderia me proporcionar ainda não chegou, e estou ansiosa por ele! No entanto, tenho vivido muitas experiências impactantes, como conhecer artistas, trabalhar com artistas impressionantes, viajar para outros estados e trabalhar com marcas que nunca sonharia.

O que você quer falar com sua arte?

Utilizo as cores e as aplicações como formas de narrativa, para contar histórias e transmitir sentimentos complexos. Meus estudos são profundamente influenciados pelo livro “Tudo Sobre o Amor”, de bell hooks, algumas músicas e também pelas minhas próprias experiências na terapia. Cada questão ou resolução que surge durante as sessões acaba trazendo uma nova pauta a ser explorada na minha arte. Através desse processo, busco criar um espaço onde essas emoções e questões possam ser sentidas, compreendidas e, principalmente, eternizadas. Eu busco criar as imagens leves com mulheres pretas que eu não conseguia encontrar.

Uma frase que te define.

Antigamente eu dizia que “Eu perdia o sono para pintar sonhos”, mas hoje acredito que “A arte é a minha forma de abraçar o invisível e dar voz ao que não foi dito”.

 

 

Quais artistas te inspiram?

Minhas inspirações vêm de diversas fontes, da pintura, graffiti, comunicação e música. Quase sempre mulheres pretas que também falam sobre o não palpável, o onírico, sobre amor e autocuidado, como Kelly Reis, Latisha Coleman, Drika Barbosa e Karina Vieira.

Qual aspecto da sua vida pessoal você acha que mais impacta suas obras?

Quase tudo da minha vida pessoal impacta minhas obras, mas, sem dúvida, minha jornada emocional e as experiências que vivencio como mulher negra, periférica e artista. As questões de afeto (não afeto) e acalanto que surgem das minhas memórias, traumas e da minha vida diária.

Onde você vê sua arte nos próximos cinco anos?

Vejo minha arte se expandindo para além da bolha, com a intenção de expor pelo Brasil e em outros países, e poder aprofundar minha pesquisa e partilhar mais sobre ela. Espero que minha obra ganhe reconhecimento e que eu possa ser conhecida por essa minha expressão profunda. Também desejo que a arte continue proporcionando oportunidades de conhecer pessoas e lugares incríveis.

Se você pudesse passar um dia com qualquer artista, vivo ou morto, quem seria e o que você gostaria de discutir ou aprender?

Eu prefiro sempre falar sobre artistas vivos que podemos conhecer ainda e prestigiar. Mas Frida Kahlo sempre me impactou, tenho livros sobre ela, e sua capacidade de transformar dor, militância e experiência pessoal em arte poderosa e vibrante sempre me fascinou. Gostaria de discutir com ela como conseguiu converter suas experiências e emoções mais profundas em obras tão impactantes e pessoais.

Com o que você sonha?

Sonho muito com a valorização crescente do trabalho dos artistas no Brasil, para que possamos receber o reconhecimento e o respeito e sermos pagos da forma que merecemos. Espero também poder viver com estabilidade, podendo me dedicar inteiramente à criação artística e envelhecer repassando meu conhecimento e me conectando com diferentes culturas e pessoas inspiradoras.

 

Para acompanhar a artista, siga o perfil dela no Instagram: instagram.com/artecliche/.