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11 de abril, 2025 ARTISTA EM DESTAQUE

Sentimento de mundo

O mais importante é poder olhar para trás e sentir que não se desviou de si. Luana, ou melhor, Nega Íris, sempre soube que o mundo era um espaço para criar, ocupar e transformar, e foi assim que ela fez da arte um jeito de existir.

Bora saber como foi a sua trajetória até aqui?

 

 

Como foi o seu primeiro contato com a arte? Sempre soube que seguiria esse caminho?
Desde o ventre, minha mãe é minha grande inspiração artística. Nasci já rabiscando o mundo e as paredes lá de casa. Tenho uma memória em que comecei a ter consciência de mim e do mundo, como se fosse um estalo, e lembro dos desenhos da infância: olhos em formato de janela, as cores e como era divertido fazer aquela atividade.

Em um desses momentos, vi uma revista de moda — havia uma moça com um vestido vinho muito bonito, e eu quis desenhá-lo. Ficou muito parecido, e, a partir dali, compreendi onde me encontraria no mundo: tornaria meus desenhos uma parte sensorial dele — seja em roupas, telas ou onde eu quisesse. Seria o mundo das possibilidades disponível para mim.

 

 

O que te levou a escolher o muralismo e o grafite como formas de expressão?
Meu primeiro contato com o Hip Hop foi na dança, com aulas de break dance. Mas eu sempre ficava maravilhada com os muros nesses eventos — em sua maioria, pintados por homens. No final do ensino médio, decidi colocar as tranças coloridas. Lembro como hoje: 11 cores, como símbolo do meu renascimento e por ter sofrido bullying e racismo nesse ambiente, onde tentavam apagar minha essência e cor. Aí surgiu NEGA ÍRIS, parafraseando minha amada Nina Simone na música Feeling Good:

“Oh, freedom is mine, and I know how I feel
It’s a new dawn, it’s a new day, it’s a new life for me, I’m feeling good.”

Então, busquei aprender. Pintei a sala da minha casa com uma tinta spray prata (que era para pintar a bike — imagina a surpresa da minha mãe!). A partir dali, pesquisei, participei de workshops e ganhei permissão para pintar o muro lá de casa. Eu estava pronta para algo maior. Com a confiança que me foi dada, fiz minha primeira arte: Trindade. Em um período pandêmico, isso ressignificou meu entendimento como GRAFITEIRA, reconhecida na cidade onde cresci e podendo me voluntariar para pintar as escolas do bairro e onde estudei.

Meu primeiro edital de cultura foi no meu bairro, em 2023: Uniarte, onde ensinei técnicas de pintura em tela e muralismo. Tive a oportunidade de comprar minhas primeiras canetas POSCA — foi lindo ver as crianças tendo essa chance também!

Mulher, negra, grafiteira: é uma ruptura, uma brecha que se abre para outras mentes criativas. É entender que posso dizer ao mundo: “Mulheres negras me criaram, e eu sou um bom fruto que germina enquanto faz outras sementes se espalharem.”

Também tenho uma rede e apoio da Rede Mulheres Urbanas aqui em Vitória, grupo de mulheres que estão envolvidas na manutenção artística, política, física e mental ao nosso acesso aos espaços e muros, com direitos e equidade. Nada para nós, sem nós.

 

Como sua ancestralidade influencia o seu trabalho?
Fui criada por minha mãe e minha irmã mais velha, e tenho orgulho de ter tido o apoio delas nessa jornada da vida. Elas acreditaram em mim. Minha avó, que não pude conhecer, mas que me teve no colo, também me inspira. Levo a herança dessas mulheres que cuidaram para que eu pudesse voar.

 

 

Você tem um ritual ou processo criativo antes de começar uma nova obra?
Eu busco, dentro de mim, a verdade das pessoas. Acredito que a arte expressa a natureza das relações. Retrato cenários cotidianos, expressões artísticas afro-religiosas, um detalhe que só eu percebo — e, às vezes, já está desenhado no papel. Aí, sigo o fluxo.

Enxergo o afrofuturismo interligado inteiramente ao nosso passado: caminhos de novos horizontes criados por nós mesmos, usando a arte como ferramenta de empoderamento. Somos abençoados pela natureza, por isso tenho por ela respeito e admiração — e sempre trago alguma simbologia em meu processo criativo.

 

Como é a relação entre arte e espaço público para você?
O espaço é público, como a própria pergunta diz. Vamos ocupá-lo com nossos corpos, vivências, diálogos, causas e nossa verdade — e ela tem cor, ausência e vivacidade. Devemos expor as dores, corromper o sistema que nos oprime e nos deixa presos em celas sem grades. A arte vem para libertar. Somos todos artistas no que fazemos, e isso abre espaço para as mais diversas expressões culturais.

 

 

Como você vê o papel da arte urbana na transformação social?
É entender o meio em que vivemos, saber que somos importantes e que, por meio das artes, as pessoas possam se sentir assim. Que vejam que há arte em tudo. Aliás, a arte une as pessoas.

 

Se pudesse deixar um mural eterno em qualquer lugar do mundo, onde seria e o que ele retrataria?
Eu gostaria de pintar uma empena ao redor do Brasil: uma aqui no ES, outra no Rio (onde sempre via referências de graffiti), uma na Bahia e outra em Cabinda, Angola. Desejo registrar uma homenagem à Zacimba Gaba, princesa trazida em condições de escravização para São Mateus, onde lutou por sua libertação e pela de outras pessoas. Ela foi uma importante líder quilombola à frente das tropas contra os colonizadores. Tenho uma arte dela que desejo registrar em uma dessas cidades. Zacimba e minha matriz familiar são a força da minha representação artística.

 

Qual conselho você daria para quem quer entrar nesse universo da arte urbana?
Vá, mesmo sozinho. Pergunte, estude, conheça quem é da sua área, quem está envolvido na cultura e no movimento Hip-Hop — principalmente as mulheres que desenvolvem projetos ou pintam. Chegue com respeito. Todos nós começamos sem saber nada. Pegue uma folha de papel e imagine como seria um bomb do seu vulgo em letras bem diferentes. Pinte com caneta, carvão, tinta natural ou com o que estiver à sua frente. Arrisque-se!

Depois do primeiro passo, você entenderá o processo. E, quando olhar para trás, o medo terá ficado lá, e você já estará alcançando novos voos.

 

Com o que você sonha?
Oportunidades: que nos vejam e nos tratem com um olhar de equidade. Somos diversos, plurais, capazes de tudo. Podemos transformar onde vivemos com arte, respeito e, principalmente, cuidado com nossa fauna e flora. Penso em como a arte pode trabalhar de maneira consciente: reaproveitar, dar novos destinos aos resíduos. Sempre há uma solução!

Quero fazer uma collab com vocês sobre arte e recriação, retomar as aulas do projeto Uniarte de forma independente e inserir minha arte de rua no ramo da moda. Acho incrível transitar nesses universos e vestir novas histórias.

 

Tem algum poema, trecho de livro ou música que você se identifica? Conta pra gente!
Sim, foi a frase que, ao elaborar meu primeiro projeto, me veio à mente: “A arte une as pessoas”.

 

Para acompanhar a artista nas redes, cola aqui: instagram.com/negaairis/.