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29 de novembro, 2024 ARTISTA EM DESTAQUE

Tempo-rei, verdade inventada

 

A gente nunca sabe de onde a arte vem. Pode ser herança, sensibilidade à flor da pele, puro talento… São tantas possibilidades, tantas histórias. No caso da Luna Cheung, nossa entrevistada da semana, tudo começou lá na infância, quando a música virou seu jeito de se expressar.

Com uma arte que fala de sentimento, pertencimento e tudo que toca o coração, ela abriu um pouco do seu mundo pra gente. Bora conhecer?

 

Conta pra gente um pouco sobre como é seu processo criativo

Depois de umas boas terapias e algumas leituras de mapa astrológico, entendi que meu processo nasce, primeiramente, do meu eu. Eu sempre fui amiga íntima da comunicação, falar em alguns formatos o que vivo e sinto. Quando criança, escrevia canções de saudade pro meu irmão que morava longe, pra estudar alguma matéria da escola e por aí vai, sempre com um caderno na mão! Então, descobri na pintura mais um meio de existir. Confesso ser um processo bem espontâneo, não existe rascunho, mas eu capto bastante o meu dia a dia em casa e nas ruas, e registro ali. Achados nos livros, contraste e sombra nos prédios, capa de disco… tudo ajuda no processo, mas não posso deixar de mencionar meu avô Beto, artista plástico paraibano que dava aula em como trazer texturas e vida pra uma obra! Sem dúvidas, minha maior fonte de inspiração.

 

E quando você se descobriu artista?

Como mencionei aqui, canto desde que me conheço por gente, a música foi sempre meu primeiro amor. Acho que vem do meu pai… Em casa, sempre tivemos contato com a arte: minha mãe é artesã, meu avô artista plástico, meu pai é poeta e tem talento para os desenhos. Na época da escola, meus pais nos davam telas, tinta e papel; era uma delícia ter esse momento ali na mesa de jantar. Mas eu só mergulhei de cabeça na pintura no comecinho de 2020. Aquela coisa, a pandemia chegou e todo mundo descobriu mais um cadinho de si. Comigo não foi diferente e a minha entrega foi muito fluida, intensa também!

 

Como as cores se relacionam com o que você tá sentindo no momento da criação?

Tem pouco tempo que encontrei no sebo uns livros de paleta e estudo de cores. Estudar é sempre importante, mas eu não gosto muito de me limitar a uma “regra”, vou pegando as tintas que simplesmente conversam comigo no processo, ou as que saem das misturas — essas são especiais. Acho que desde o comecinho desse amor, a cor “terra de siena queimada” sempre esteve presente. Sei lá, batemos logo de cara e a partir dela criei minha paleta fixa nos registros de rosto e corpo. Meu trabalho é colorido, então vou trazendo as outras cores que, na minha cabeça, dão mais voz ao meu sentir. Ah, e claro, tem vezes que cruzo meu olhar com uma combinação muito boa, e aí também trago pra tela! Um dia estava na farmácia e tinham quatro esmaltes juntos que me chamaram muito a atenção, então tirei uma foto de referência.

 

Tem algum artista, música, filme ou livro que te inspira bastante?

O que não falta são recortes dessa vida pra inspirar! Meu avô é quem brotou em mim essa ideia de: “que vontade de tocar aqui”. Ele sempre soube brincar muito com as texturas e essa característica dele foi meu forte alimento! As camadas realmente conseguem dar mais ênfase aos pensamentos. Sou fã da pincelada marcante, Van Gogh registrava muito isso. Nesse processo de contar minha história através das obras, me identifiquei bastante com Frida Kahlo. Sem deixar de trazer aqui artistas dos dias atuais que sempre me encantam pela composição das cores, como Heloisa Hariadne e João Incerti. Já no livro de Clarice Lispector, “Água viva”, tiro muitas páginas que me ajudam nas palavras que não consegui encontrar. E como eu sou uma artista que gosta, também, da sofrência, que já aceitou que o auge da criatividade nasce da sarjeta, o aperto no estômago que a autora Aline Bei me dá serve como um baita empurrão pra pincelar!

 

A convivência com diferentes culturas e rotinas de alguma maneira conversa e está presente no seu trabalho?

Demais! Depois que saí do Brasil pela primeira vez, compartilhei muito o que vinha sentindo sobre isso com meu pai, já que ele sempre teve uma alma viajante. Nessas trocas, ele falou muito sobre o respeito ao pisar em outros ambientes que o mundo tem pra oferecer, é sobre nos enxergar como parte dessa natureza toda! Com isso, sempre deixei as culturas respingarem forte aqui dentro, isso faz a gente aprender muito sobre o outro e nós mesmos. Descobri muita coisa e ainda ampliei meu leque nas artes. Quando estive em Portugal, por exemplo, a primeira coisa que fiz ao chegar em casa foi experimentar os azulejos como tela, de-lí-cia!

 

Qual é o sentimento de quando você está pintando?

Pintar realmente é um escape muito grande, eu sinto  m u i t o  quando estou pintando, tanto é que faço do entorno parte do meu quadro, escolho a música que faz presença na obra, ou não coloco nem um som sequer, é um momento muito íntimo e tenho dificuldade em pintar próximo aos outros. Eu choro, eu leio textos, eu relembro mensagens, visito umas fotos, danço na sala toda pra espalhar tinta e ver o que estou criando em diferentes ângulos. É um caos muito bem organizado pra mim (risos). Eu juro!

 

Pra você, arte é…

Pra mim, a arte é existir. O livro “Por que amamos”, de Renato Nogueira, fala que nós simplesmente amamos porque estamos vivos. E a arte é a ponte do estar vivo e marcar essa nossa existência no mundo. Todo mundo carrega uma vontade de contar histórias, a arte tá aí pra isso, pra gente falar o que bem-quiser!

 

Tem alguma frase, poema ou música que você sente que conversa e se conecta muito com o seu eu artista? 

Poxa, difícil escolher… Como eu disse lá em cima que sou uma mulher de muitas palavras e falei bastante até agora, aqui vou deixar um recorte curto de Clarice Lispector:

 

“Não quero ter a terrível limitação de quem vive apenas do que é passível de fazer sentido, quero uma verdade inventada”.

 

Não quero acreditar que é na tristeza que se aprende algo, mas acho difícil me opor muito a essa ideia. Passei por alguns momentos bem delicados, principalmente dentro de casa, e isso me fez valorizar muito o tempo; nesse meu tempo-rei, abri portas pro abstrato, onde ali consigo transbordar o que conversa comigo, se faz sentido ou não, nem sei, mas de certo modo sabe fazer carinho.

 

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