Zine
De sentir, de comer e de tocar
Quando ela percebeu que se divertia rabiscando coisas na parede, tudo fez sentido: o caminho pra se encontrar estava na arte. Direto de Salvador, conversamos com Maria Mariô, artista visual que baseia sua arte na abordagem tropical baiana e psicodélica, utilizando técnicas mistas com tinta acrílica e spray.
Quando você começou a se interessar pela arte?
Me divirto riscando e pintando coisas desde pequena, mas o interesse pela arte como algo que me dá razão de ser e o desejo de trabalhar com isso veio na adolescência, lá pelos 16 anos. Naquele momento, onde dentro e fora da cabeça tudo anda bem bagunçado, passei a desenhar por desabafo e pra “gastar onda” sozinha e com os amigos da escola, que também desenhavam.
Nessa época, eu pedi pra que minha mãe me deixasse fazer um desenho pequeno numa parede mais isolada do quarto que eu dividia com meus dois irmãos mais novos, usando tinta acrílica. Quando ela enfim permitiu o dia da pintura, juntou eu, meus irmãozinhos, meu companheiro na época e acabamos pintando muito mais do que a partezinha permitida por ela (risos). Depois disso eu comecei a pintar sempre as paredes do nosso quarto e não precisava mais de permissão, porque minha mãe também acabou comprando a ideia. Ao final de um ano já não tinham mais paredes para pintar dentro de minha casa.
Quais são as suas maiores referências no mundo artístico?
É uma pergunta difícil de se responder, porque quanto mais artistas conheço, mais me apaixono, mais me sinto representada e tocada de formas muito variadas. Admiro artistas do movimento modernista, por trazerem a arte com um olhar libertário, transformador e político. Ao tropicalismo pelas cores vibrantes e muita ousadia, numa arte Brasil. Além disso, eu uso muito referências do mundo das HQs, por ser um universo que gosto muito e me foi uma escola de desenho também, incluindo Will Eisner, Charles Burns, Robert Crumb, Emili Ferris, Shaun Tan, Fábio Moon e tantos outros. E, atualmente e mais diretamente, minhas maiores referências têm sido muralistas, como Ledania, Criola, Soma, Calangos (Eder Muniz), Bicicleta sem freio e Arlin.
As cores (no seu trabalho) possuem significados específicos?
Gosto muito de usar cores vibrantes, chapadas, psicodélicas, alternando tons frios e quentes (mas acredito que acabo usando mais tons quentes)! Quando pinto, escolho por paletas que lembram verão, usando cores que eu considero divertidas e que dão aquela vontade de comer e de tocar. Pego muita referência de tons em plantas: saio pesquisando e fazendo compilados de plantas tropicais, nativas da América Latina, sempre encontro espécies que parecem alienígenas e carregam cores incríveis e hipnotizantes.
A arte significa o quê?
Vixe, arte é tanta coisa! É narrativa que questiona a vida como ela é. É também criação de universos, exposição da história do passado e construção do presente. Arte é flecha, como ensina a artista Daiara Tukano. É meio de enfrentamento, resistência, luta e transformação. Sendo também conforto e alento, na melhor forma de se encontrar só, ao mesmo tempo que acompanhado por tudo que nos move e influencia.
A arte é uma forma de se libertar?
Pra mim, é sim, e muito! Porque apesar surgir como construção social e de ter sua forte estrutura institucional, clássica, inalcançável e tantas vezes restrita a uma elite, ela consegue ser tão maior que transborda e se espalha por todos os lugares, ruas, esquinas e não há quem consiga barrar seu avanço e suas conquistas. Além de tudo, acredito que a arte nos ensina a ter coragem, coragem no fazer, para despejar suas ideias, razões e emoções e enfrentar o mundo lá fora na base da tinta que começa a brotar de dentro para fora. Nisso, se permitir ser livre no fazer artístico, pra mim, é saber que esse universo também é de comer, é de tocar, de cansar, de chorar e de tremer na base.
Onde você quer chegar com o seu trabalho?
Estou em busca de pintar cada vez mais murais. Sonho grande é pintar em prédios, ocupar paredes pelas ruas do mundo todo, ter uma galeria colaborativa com espaços para projetos, coletivos e aulas de pintura e muralismo.
O maior dos sonhos ainda é conseguir ter qualidade de vida sendo artista e vivendo no meu país e na minha cidade, Salvador, assim como desejo isso para todes companheires artistas, que dão um duro danado para serem reconhecidos e valorizados no seu fazer artístico. Falta reconhecimento e maneiras de incentivo à arte e à cultura, por parte do poder público e muitas vezes da própria população, base fundamental para sustentação e apoio dos artistas locais.
Também ficou com vontade de conhecer ainda mais a artista? Cola no Instagram dela: instagram.com/mariamario.arte/